To: saulopescador@hotmail.com
Subject: Feliz 2011
Date: Wed, 29 Dec. 2010 20:13:26 +0300
Obs: suprimi o email do meu amigo Tomazzeti
não tem uma só ponte que eu atravesse com águas limpas e sombra em volta que eu não me lembre de você.
Parece que foi ontem... mas já se vão quase cinquenta anos.
Ainda assim, você continua vivo nas nossas memórias.
Ah, como era bom ser criança na nossa época!
E ter sido seu amigo de infância — isso foi o maior tesouro que alguém podia ter.
E eu tive esse privilégio.
Que Deus continue iluminando os nossos dias.
Hoje, eu daria tudo pra voltar lá na Gameleira
e pescar, pelo menos, um lambari de rabo vermelho na sua companhia.
Quanta saudade.
Blogspot.com
Tomazetti, meu amigo, a paciência é uma virtude que devemos cultivar com persistência e fé. E dos sonhos, jamais devemos desistir — por mais que se distanciem ou se metamorfoseiem em roupagens diferentes.
O poço da Gameleira, a Lagoinha, o trecho em curva do Anicuns até a confluência com o Cascavel... As águas límpidas, meu amigo, continuam a correr. Os lambaris de rabo vermelho, no burburinho... A bolsa de lona sobre o barranco do remanso... A latinha com minhocas e o movimento brusco, enviesado, de um caniço de bambu... A presa prateada a voltear e revolver-se, encaminhando-se na ponta da linha para se debater nas mãos de um garoto — sob o olhar atento do outro...
Sabe, meu amigo, tudo isso vive. E vai persistir em nossas memórias.
Feliz Ano Novo, meu amigo. E que Deus ilumine sempre os nossos caminhos.
Trecho 2 – Memória de 1963:
...1963...
Ali estávamos nós, com papai. Finalmente, na casa da Vila Operária (Goiânia). Papai a trocara por nossa linda casa de Anhanguera, GO, onde nasci.
Cumpre dizer que, de lá, não viemos diretamente para cá. Moramos em Cumari, depois em Catalão, e em seguida em Palmelo — de onde, por fim, viemos de mudança.
Susto, decepção, desencanto, insegurança... Papai, penso eu, diante do quadro, sentiu uma mescla de tudo isso.
Nós, os meninos — kkkkkkkkk — pelo contrário, nos divertimos à beça explorando o quintal aberto, entulhado, coberto de mato e alastrado por aboboreiras que cresciam espontaneamente.
A casa... como chamar de casa aquele barraco de quatro cômodos em formato de L, maltratado, sem reboco, carcomido pelo tempo? Papai a trocara por nossa bela e imponente casa de Anhanguera. Trocou no pau, na confiança, sem ver — movido pela esperança na nova localização e, principalmente, pela promessa de uma educação melhor para nós.
Papai, a princípio, pensou em nos internar na FAMA — o internato mantido pela maçonaria (papai era maçom). Depois, resolveu nos deixar por uns dias na casa do Sr. Barbosa, lá na Vila Coimbra (Setor Coimbra), um de seus amigos dos tempos de Anhanguera, antigo funcionário dos Correios e também maçom. Ficamos com essa família maravilhosa por pouco tempo, mas o suficiente para deixar saudades.
Papai ajeitou as coisas como pôde e montou seu consultório (papai era dentista) na casa do Sr. Moisés, na Rua 510 — outro maçom e também amigo dos tempos de Anhanguera.
A Vila Operária (Setor Centro-Oeste), onde fomos morar, era um enclave espremido entre Campinas (a Campininha), o Setor dos Funcionários, a Fama e o Jardim Xavier. Segundo os mais antigos — porque a história oficial de Goiânia, que vergonha, só fala de eventos e de políticos — aquilo tudo começou como um acampamento de trabalhadores, uma "invasão", posteriormente legalizada.
Papai nos matriculou no Colégio Estadual Damiana da Cunha — nome dado em homenagem a uma índia importante e... desconhecida (pesquisei, e aposto que nem a diretora atual sabe disso! kkkkkk). “Lá no ovinho” — chamamos assim, eu e minha filha, por causa do espaço miííídio kkkkkk... Na hora do recreio, o “fazer a gata parir” era inevitável (brincadeira nossa, de criança mesmo).
Foi no Damiana que conheci o Tomazetti — um garoto meio marrento, descendente de italianos, que morava na Rua do Comércio com a família. O pai, Sr. Ângelo, mantinha uma marcenaria ao lado da casa e, junto com os filhos mais velhos, se dedicava a recuperar — ou melhor, praticamente reconstruir — carrocerias de caminhão. Era comum vê-las erguidas sobre engradados em frente à casa.
Estudávamos na mesma sala. Um dia, ele nos surpreendeu — e como! A professora pediu que algum de nós fosse à frente cantar... qualquer coisa. Pegou todo mundo no contra pé. Um olhava pro outro dizendo: “Vai você!”... “Eeeeu? Nãão!”
E, de repente, o Tomazetti levanta, estufa o peito e sapeca:
— Katariii... Katari...
Uma música italiana! Que coragem... Achei o máximo.
Daí pra frente, nos tornamos inseparáveis.
O Cascavel, por sua vez, já dava sinais de poluição por esgotos residenciais. Apresentava uma concentração exagerada de lambaris — acredito que por causa dos detritos (ainda não letais) que, de certo modo, serviam de alimentação pra eles.
kkkkkkk (depois a gente ainda comia os bichinhos... eca!)
Já o Anicuns, em boas condições por conta do seu curso mais limpo, era o nosso preferido.
Sinuoso, cheio de remansos e corredeiras, com a mata ciliar ainda em perfeito estado... foi palco das nossas saudosas, infantis e maravilhosas pescarias.
Evando F Lopes |
A tarefa de arrancar minhocas, claro, sobrava pra mim kkkkkkk. Eu, como o mais novo, aff...
Mas havia uma atenuante: era com uma das facas do Tomazetti. Ele tinha duas — daquelas com cabo de osso e costa serrilhada. E uma bolsa de lona que me encantava — tanto a bolsa quanto o conteúdo.
Lá dentro: carretéis de linha de bitolas variadas, chumbadas e anzóis acondicionados num tubinho desses tipo Cebion... e as facas — de cabo de osso!
Além disso, tinha ainda o cinto com a flor-de-lis na fivela, um cantil...
E eu?
Eu não tinha nada. Absolutamente nada.
Foi o Tomazette que me ensinou a tirar o mandi chorão do anzol sem quebrar os ferrões.
Era assim: a gente colocava um dedo por baixo de um dos ferrões e o outro dedo por cima do outro. Desse jeito, imobilizava o bicho direitinho.
Foi ele também que me ensinou o remédio pras espetaduras — se é que dá pra chamar de remédio.
Aconteceu assim: pescávamos depois de uma chuva, em água barrenta. Era um chorão atrás do outro. Tirávamos do anzol sem quebrar os ferrões e íamos jogando eles, ainda saltitantes, numa beirada de barranco, ali atrás da gente.
Eu, descalço, claro. Não deu outra: um passo pra trás e... pronto.
Fiquei ali, feito um saci doído, com um chorão pregado na sola do pé. Uiiii...
O Tomazette, sem pensar duas vezes, receitou logo a cura. E como eu não tava em condições de aplicar sozinho, ele mesmo ministrou: mijou no meu pé.
Adotei o tratamento. Usei uma infinidade de vezes depois — repassando, a “fórmula”.
(continua)
Conheci o Tomazzeti; estudei no Damiana da Cunha e pesquei nesses ribeirões que margeiam a Vila São Paulo. Nasci e morei por 29 anos na avenida Bernardo Sayão esquina com a rua C-500. meu contato: capergras@gmail.com
ResponderExcluir