
(Introdução)
O canto do tabocal
Parte 1
Saulo
...Mil e uma tentativas... abanadelas sem conta... estalidos... e enfim crepita — azul, laranja, carmim — a pequenina chama bruxuleante...
Fustigada, ela logo se agita, sob um olhar marejado, defumado, de improvisado churrasqueiro.
O lacrimejante "herói" aconchega pedaços de carvão à gema incandescente, estabelecendo um cerco. Chama-lhe a atenção um naco maior de carvão — ele o apanha e o equilibra no topo, cuidadosamente. E enquanto abana, devaneia...
Imagine que, no devanear, fosse transportado a um ponto qualquer do cerrado, do Brasil central — e de tal modo que devaneasse, a leseira toda fosse escapando, espraiando-se, derivando... até emaranhar-se num tabocal das redondezas...
O canto do tabocal
Parte 2
Noite...
Um estufar dcortinas faz a introdução...
Silêncios e ruídos, com estalos e rangidos,
de um tabocal fustigado pelo vento, a contorcer-se,
estabelecendo a tônica.
...Momentos em que, sobre um travesseiro,
o inconsciente evoca imagens fugidias,
esboços que vão surgindo,
envoltos em brumas, cobertos de fuligem,
delineando-se — e, do atritar do tabocal,
como se colossais gafanhotos fora,
ressoa estranha melodia...
Da gávea de caravela...
a luneta volatiza...
o displicente passeio...
de uma íris seduzida...
Uma aquarela brejeira
arrebata as entranhas
da alma portuguesa...
a expressão lusitana
Que acaba por amorenar-se
sobre ondas espraiando
numa cadência baiana —
a expressão lusitana
Contraste na singeleza
do território dos instintos,
propriedades de substâncias
em cartório da natureza —
a expressão lusitana...
Sob a égide da ganância
auspicia-se a solenidade
na aquarela brejeira —
réquiem à diversidade...
A natureza do bioma provê a seus rebentos propriedades e necessidades para uma vida profícua e necessária, de modo a convergirem-se, em mutualismos, comensalismos etc., estabelecendo o ciclo vital de um moto perpétuo...
E, curiosamente, dentre a infinidade entrelaçada de organizações que abrolham, uma delas — e de forma inusitada —, que de códigos naturais atropela, estabelece a exploração de mais fracos...
( edição, continua)
Cenário
Uma carvoaria no cerrado goiano.
Personagens
Madeira empilhada, sacas com carvão, cavacos, lascas e fragmentos. Homens tisnados e crianças obscurecidas.
Áudio
Emanada da servidão, uma cantilena ressoa...
Dor e revolta condensam-se no compasso...
A cada estrofe, um lamento ecoa... contido, insubmisso...
O tempo é um forno...
oleiro, o movimento...
(um cavaco)
A consciência na roda...
amolda o sentimento...
(outro cavaco)
Nas razões do forno, a ambição predomina...
nas velocidades do torno, o descaso determina...
(a sacaria)
A bigorna é o tempo...
o ferreiro, movimento...
(o primeiro)
A consciência na forja...
aprimora o sentimento...
(o outro)
Egoísmo com ganância tiveram um caso...
brotaram os descasos...
(a sacaria)
O tempo é a página...
o acaso, o tinteiro...
(o primeiro)
o movimento, a pena...
encena a coerência...
(o outro)
A cupidez decreta a insolvência...
a insensatez penhora a sobrevivência...
(a sacaria)
Sintetiza o sofrimento a seiva...
(o primeiro)
suores destilam o lucro...
(o outro)
dividendos apuram os capitais...
(o primeiro)
os operários, a sobrevivência...
(o outro)
O tempo é indústria da reciclagem,
e o universo, uma grande viagem...
(a sacaria)
A canoa é o tempo...
canoeiro, o movimento...
(o primeiro)
No acaso, rima o remo...
na coerência, o ensejo...
(o outro)
O carvão oprimido cristaliza...
e em cadinhos, a alma purifica...
(a sacaria)
Fragmento e Seixo
Feitos siameses, um no outro engastados,
fragmento e seixo em dueto anelado...
Alfa assoprou... in... iang
enfeixou-se o movimento...
percorreu a espiral de sendas,
e a gravidade engendrou-se...
(fragmento)
A gravidade ergueu o pêndulo,
o pêndulo embicou no acaso,
o acaso enredou-se em coerência...
(seixo)
A coerência planeou o formato,
o formato cinzelou o sedimento,
o sedimento incorporou a dualidade...
A dualidade transmutou-se na reatividade,
a reatividade polarizou no instinto,
o instinto entronizou a consciência...
(seixo)
A consciência manifestou a divindade,
a divindade revelou-se nos arcanos,
os arcanos reportaram ao verbo,
e o verbo detonou o Big Bang...
(fragmento)
Do bico do pássaro, o inseto escapa,
e o fragor desesperado no entardecer ressoa,
até paralisar-se numa das redes que alimentam o tráfico...
O passarinho, numa forquilha, tecia o ninho,
voando com alegria — gravetos e fiapinhos...
o passarinho trazia...
Certa manhã... Sobressalto.
Ruído estranho... estrugia.
O campo, tomado de assalto...
Tombava, não resistia...
Ao lado da árvore caída,
um ninho, despedaçado...
e o conteúdo, em fragmentos, jazia...
gostei acho que tu tem muito talento.
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